Cada vez mais cedo

Por 06/05/2015 Gerais

No Brasil, jovens chegam a experimentar bebidas alcoólicas aos 11 anos de idade, apontam estudos sobre o assunto

“Geralmente eu bebo quando estou entre os meus amigos. Eles me chamam para sair e tomamos ao menos uma cervejinha gelada”. A naturalidade com que Andressa, de apenas 17 anos, se refere ao consumo de bebidas alcoólicas não é exceção entre os jovens no Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) 2012, que entrevistou estudantes do 9° ano do Ensino Fundamental (antiga 8ª série ), mais da metade (50,3%) dos jovens já tomou ao menos uma dose de bebida alcoólica e 31,7% tiveram a sua primeira dose antes dos 13 anos.

Os números são assustadores e revelam que cada vez mais cedo os estudantes estão tendo a sua primeira experiência com as bebidas. As meninas são maioria na hora de experimentar: 51,7%, contra 48,7% entre os meninos. “Comecei a beber aos 11 anos em uma festa de formatura de uma prima. Meus pais foram descobrir apenas quando completei 13 anos, quando fiquei bêbada, graças à um colega fofoqueiro que ligou para os meus país e contou a minha situação”, revela a estudante universitária, Giovana, hoje com 18 anos. Na época, quando os seus pais descobriram, a jovem ficou dois meses sem sair de casa, mas ela afirma que não adiantou, pois sempre teve a vontade de beber.

Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), também confirmam as estatísticas, pois mostram que o consumo de álcool por adolescentes de 12 a 17 anos chegou a 54%, e desse total, 7% já apresentam dependência por bebidas alcoólicas, número considerado alto para essa faixa de idade, já entre os jovens de 18 a 24 anos, 78% já consumiram álcool.

Para piorar a situação do País, de acordo com os estudos realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o consumo de bebidas na América Latina, o Brasil está em terceiro lugar no consumo de álcool entre os jovens. O psicologo Eriko Netto de Lima, especialista em álcool na adolescência, explica que o adolescente está em uma época conturbada, na qual o desejo de se destacar entre os amigos é maior. “ O jovem valoriza a aceitação de seus colegas e certos grupos colocam como regra usar o álcool”.

Dados concretos
Os números não deixam dúvida: o ál­cool faz parte do universo jovem. Por vezes, o seu consumo pode até ocorrer nas imediações da escola.ÂÂÂÂ Fingir que o assunto não existe ou se livrar através da expulsão do aluno com problemas, por exemplo, não é a melhor solução. Para o professor do departamento de Medicina da Pontifícia Univer­sidade Católica de Goiás (PUC Goiás) e pós-graduado em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Luis Gonzalo Gómez Barreto, “é necessário fomentar atividades que desenvolvam a autoestima e o diálogo sem preconceitos”.

Luiz Gonzalo, psiquiatra colombiano radicado em Goiânia há 33 anos, supervisor da Liga Acadêmica de Dependência de Substâncias (Lads) da PUC Goiás, pontua que muitas vezes a preocupação na escola tende a ser maior com as drogas ilícitas, e em menor grau o álcool, que também é extremamente nocivo para a saúde.

Crime

Um detalhe em comum na história de Andressa e Giovana, jovens que tiveram contato logo cedo com o álcool, é a facilidade de acesso às bebidas alcoólicas, uma vez que é considerado crime vender o produto para criança e adolescente: “Cansei de ir à distribuidora comprar refrigerante e vodca”, confessa Andressa. E Giovana também revela que sempre comprou a própria bebida, “nunca precisei de terceiros para comprar e em nenhum momento pediam os meus documentos”.

A lei nº 13.106/15 sancionada em março deste ano pela presidente Dilma Rouseff prevê que quem for pego vendendo ou dando bebida alcoólica para menor de idade será preso e pode levar até quatro anos de prisão e ainda multa que varia de R$ 3 mil a R$ 10 mil, além da interdição do estabelecimento. “Mesmo com a lei, os jovens ainda conseguem fazer a compra de bebidas, além disso, os pais já não se assustam quando descobrem que os seus filhos estão fazendo uso de álcool,” explica o professor da Pontifícia Uni­versidade Católica de Goiás (PUC-GO), Luis Gonzalo Gó­mez, psiquiatra e especialista em dependência química.

O médico afirma que o álcool é porta de entrada para todos os outros tipos de droga e a sua legalização está respaldada pela falsa impressão de que as bebidas alcoólicas são drogas que proporcionam menos danos a saúde, o que não é verdade. “A única diferença é que o álcool é uma droga que os efeitos no organismo aparecem mais tarde”, explica.

Segundo os últimos dados do levantamento realizado em 2005 pelo Centro Brasileiro de Infor­ma­ções sobre Drogas Psico­trópicas (Cebrid), as drogas lícitas são as mais consumidas e com o maior número de dependentes químicos. 49,8% da população havia usado o álcool; contra 0,1% que usaram crack; 2,6% utilizaram maconha; e 0,7% cocaína nos 12 meses anteriores à pesquisa.

O papel da propaganda

Existe uma grande discussão sobre a regulamentação da publicidade de bebidas alcoólicas no País. Tramitam no Senado cerca 10 projetos de leis (PL) que tornam mais rigorosa a legislação que trata do uso e da veiculação de propagandas de bebidas alcoólicas e cigarros.

Os projetos pretendem alterar a Lei 9.294 que desde 1996 estabelece algumas restrições ao uso e à propaganda de bebidas alcoólicas, todos os tipos de cigarro, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Hoje a lei proíbe, por exemplo, comerciais no rádio e na TV entre 6h e 21h e também a associaçãp do produto ao esporte, à saúde, condução de veículos e “imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas”.

A proposta de lei mais famosa e radical é o PL 9/2012, que proíbe a propaganda de bebidas alcoólicas, exceto a exposição dos produtos nos locais de venda, desde que contenham advertência sobre os malefícios do álcool. Além disso, o projeto determina que bebidas com qualquer nível de álcool sejam consideradas alcoólicas.

O Senado chegou a realizar uma pesquisa com cerca de 2.500 internautas sobre a PL 9/2012, 80% dos entrevistados votou contra a propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil, manifestando apoio ao projeto, contra 20% que disseram ser favoráveis à propaganda de bebidas, sendo contra a proibição tratada pelo projeto de lei.

Regulamentação
Na opinião de especialistas, a propaganda é um dos fatores responsáveis pelo aumento do consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens, “o setor é importante para economia do Brasil, e esse pode ser o motivo da dificuldade em regulamentar a propaganda de bebidas”, supõe o especialista e publicitário, Douglas Ferreira.

Para o jovem empresário, especialista em marketing digital, a competição desregrada, entre as diversas marcas do setor de bebidas, além do fator cultural, colaboram para o aumento de consumo no setor, o que justifica o crescimento no consumo entre os jovens.

Para o sociólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Silvio Costa, a propaganda de bebidas é elaborada para induzir o consumo veiculando valores deturpados da realidade. “As insatisfações das pessoas são as principais causas para o consumo de drogas, a essência de toda a propaganda é obtenção de felicidade e prazer através do uso de bebidas”, explica o cientista politico, que leciona Teoria Política e Sociologia na PUC-GO.

Números são alarmantes

Thales Ribeiro, de 21 anos, teve contato com o álcool aos 11 anos de idade na companhia de amigos de uma escolinha de futebol. Desde então, segundo o jovem, era frequente fazer o uso de bebidas alcoólicas, sempre que a sua turma de amigos se reunia. No ano passado, Thales chegou a entrar em coma alcoólico. Segundo ele, ficou inconsciente por cerca de cinco horas. “Estava no carnaval e acabei bebendo demais, fui parar no hospital, mas isso não me fez parar de beber”, declarou o estudante universitário.

Situações graves associados ao consumo exagerado de álcool são cada vez mais comuns, infelizmente. Esse foi o caso do estudante Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), cuja a morte ocupou boa parte do noticiário nacional, no início do mês de março, ocasionada pela ingestão de 25 doses de vodca em uma festa de sua universidade.

Os números mostram que os casos como, por exemplo, o do estudante Humberto não representam uma situação tão incomum no Brasil. Segundo o portal Datasus, do Ministério da Saúde (MS), a cada 36 horas um jovem brasileiro morre de intoxicação aguda por álcool ou de outras complicações decorrente do consumo exagerado de bebida alcoólica. Anualmente cerca de R$ 250 milhões são gaastos com internações relacionadas ao uso excessivo de drogas. Em 2012, último dado disponível, 242 mortes na faixa dos 20 aos 29 anos foram causadas por transtornos causados pelo uso de álcool.

Ação educativa nas escolas

Em Goiás, a ação educativa mais antiga voltada para combater o uso de álcool nas escolas é o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que tem o objetivo orientar e principalmente conscientizar os alunos, da rede municipal e estadual de ensino, quanto aos malefícios do uso das drogas. Durante quatro meses, policiais ministram lições sobre o uso de drogas nas escolas e levam aos alunos cartilhas com orientações para contribuir com a construção da identidade e caráter do aluno.

“Na escola ainda não encontramos casos, mas a instituição é ciente que cada vez mais cedo o estudante possui o contato com as drogas”, explica o professor Rubem Deodoro da Silva Júnior, do Colégio Estadual Marechal Rondon, no setor Vila Irani, em Goiânia. Rubem conta que na última semana a escola recebeu a visita de dois policiais para ministrar uma palestra sobre a temática. Ele ficou encantado com o projeto e disse que desde então solicitou de imediato a implantação do programa na instituição.

Para o psicólogo Eriko Netto de Lima, os educadores também podem falar sobre o assunto em todas as disciplinas. Nesse caso, segundo ele, basta o professor adaptar o conteúdo para sala de aula. “Hoje, as escolas trabalham com o conceito inter-disciplinar, por isso um professor de matemática e de português, por exemplo, pode muito bem falar sobre o assunto”. Eriko afirma que essa é uma maneira de inserir nos planos pedagógicos das escolas de forma sútil a questão, sem comprometer com o rendimento do aluno, uma maneira de chamar a atenção do estudante sem colocalos em uma posição desconfortável.

Como abordar o assunto na escola?

Todos os especialistas entrevistados pelo Escola foram incisivos: falar sobre drogas fazendo alarmismo não é o melhor método para conscientizar os estudantes sobre o uso de álcool, principalmente en­tre adolescentes, por ser um período marcado por várias transformações hormonais, fase em que o jovem deseja a companhia constante dos amigos e não da família.
Nessa fase, a atenção dos pais e educadores devem ser redobradas, pois a opinião dos colegas possui maior relevância para o jovem. As escolas ainda possuem dificuldade em falar sobre drogas, são poucos os programas desenvolvidos para combater o consumo de álcool, “é necessário dialogar com o jovem, falar do assunto sem preconceitos e prejulgamentos, explica o o psiquiatra Luiz Gonzales Gómez Barreto.

Para os professores, o primeiro passo após identificar o problema do aluno com as drogas, é levantar informações so­bre o estudante, em seguida, é indicado conversar sobre o assunto com o aluno e levar o problema até a direção da escola, para que seja realizada uma conversa franca entre os pais ou responsáveis pelo alunos.

Também é importante, segundo especialistas, que a escola fique aberta a programas educativos, assim como o Proerd. Além disso, toda a instituição precisa estar envolvida no combate às drogas. Com jovens cada vez mais interligados à internet, “não é nenhum empecilho para qualquer professor adaptar o seu conteúdo, hoje os jovens consomem informação de diversas maneiras e a escola pode muito bem se aproveitar disso para refletir sobre os efeitos de cada tipo de drogs”, esclarece o psicólogo Eriko Netto de Lima.

(Tribuna do Planalto)

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