Prática de tematizar a sala antes do início das aulas é comum entre os professores da Educação Infantil. Mas escolher um tema não é só uma questão de decorar o espaço para os pequenos
Nas salas da Creche da Universidade de São Paulo (USP), as professoras ainda não têm resposta para a pergunta que dá título a essa reportagem. “No planejamento, antes do início do ano letivo, não elegemos temáticas. Elas partem das conversas iniciais com as crianças”, conta Flaviana Rodrigues Vieira, diretora da Creche e Pré-Escola Oeste da USP. “As salas começam em branco”.
Uma diversidade de temas já passou pelas paredes e corredores da instituição nos últimos anos: caranguejo, girafa, foguete, meteoro e dinossauro. A princípio são temas que parecem fugir dos clássicos que povoam o imaginário comum do universo infantil, como personagens de desenho animado. “Essa escolha parte muito da ideia de que a fórmula dos personagens é infalível, de que todas as crianças gostam das mesmas coisas, o que não é verdade”, afirma Paula Zurawski, professora do Instituto Vera Cruz e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10. Ela destaca que o trabalho com propostas temáticas é interessante quando essa escolha – assim como nas Creches da USP – inclui as crianças. “Preparar uma sala com escolhas externas às crianças parte de uma concepção generalista do que os pequenos gostam”, diz.
Por conhecimento prévio e experiência, é possível até identificar temas de sucesso entre os pequenos. Mas tratar o tema da sala de aula como “meramente decoração” não tem sentido. “Em geral, o tema vem da busca das crianças pela necessidade de aprendizagem e interesses. É preciso cruzar esses temas”, explica Cisele Ortiz, coordenadora adjunta do Instituto Avisa Lá.
Se a ideia é receber as crianças com algo diferente, Paula Zurawski sugere atividades em que elas possam falar mais sobre si. “Mais do que sala temática ou preparar um ambiente super colorido e estimulante, é importante escutar as crianças e, quando elas são menores, suas famílias”, diz. “Elas podem contar com quem vivem, do que gostam, o que fizeram nas férias. É possível pedir para que tragam fotografias para ir construindo suas marcas”.
Por que ouvir as crianças na escolha do tema?
“Muitos professores fazem a escolha do tema na boa vontade, mas esse trabalho em conjunto com os pequenos amplia a oportunidade de se aproximar deles”, diz Paula. As paredes, corredores, refeitório e outros ambientes da escola também são espaços de aprendizagem e podem ser uma oportunidade de mostrar como a criança se constrói, além de revelar seu potencial criativo. “Entendemos o espaço e todos os seus elementos como potencializadores das experiências das crianças em suas brincadeiras, interações e aprendizados. Portanto, ao olhar para as paredes da instituição e todo esse cenário das salas, temos que enxergar as marcas delas”, diz Flaviana Vieira, da Creche e Pré-Escola Oeste da USP. Para a diretora, são essas marcas que dão visibilidade à legitimidade e reconhecimento do local como um espaço de fato para as crianças. Assim, trazer pesquisas e desenhos que os próprios alunos desenvolveram é mais atrativo que pintar as paredes com objetos inanimados falantes, por exemplo, ou personagens consagrados. “Muitas vezes, essa iniciativa parte da concepção de que o lúdico passa por aí, mas são coisas estereotipadas, que as crianças já conhecem. É papel da escola ampliar esse universo, trazendo outras referências a partir das curiosidades”, diz Cisele Ortiz.
Toda sala precisa ter tema?
Não. É preciso trazer diferentes assuntos para as crianças explorarem, mas não é necessário transformá-los em tema de sala. Paula Zurawski destaca que outras práticas podem cumprir a função de usar os interesses das crianças para desenvolver trabalhos pedagógicos, como os cantos temáticos. “Se eles estão interessados em castelos ou viagens espaciais, dá para pensar em como construir ambientes temporários que possam despertar a ampliação de conhecimento sobre esses temas”, explica a especialista.
Como pode funcionar a escolha do tema?
As conversas com os pequenos, a observação atenta e a escuta sensível dos professores – considerando os objetivos de aprendizagem para cada ano – é que dão pistas dos temas que podem servir para a sala. “Não tem a ver com decorar o ambiente, é um metodologia de trabalho”, diz Cisele. “Alguém da turma pode ter visto um caranguejo nas férias e ao falar disso, despertar entre os pequenos um interesse em saber mais”.
É importante que o professor alimente esse interesse com mais referências por conversas, imagens, vídeos e leituras. Dessa forma, as crianças vão povoando as suas próprias pesquisas e representações sobre o objeto de estudo no processo de aprendizado. Para apoiar esse trabalho, Paula Zurawski destaca que é importante que o professor conheça bons títulos de literatura para apresentar à turma e, a partir deles, construir gradativamente um repertório que dê pistas de materiais que possam compor o ambiente. A medida pode ajudar nessa identificação também quando os interesses da turma não são tão claros para o professor.
O que levar em conta na criação dos ambientes?
O primeiro fator a considerar é a proposta de que as paredes e corredores devem revelar o potencial das competências dos alunos. “Com mediação dos adultos, as pesquisas e produções que os pequenos estão fazendo têm de ocupar o universo dos ambientes da escola”, pontua Cisele Ortiz. Nas creches da USP, as salas vão tomando forma, cada uma a seu jeito, respeitando a trajetória de cada turma em suas investigações.
A diretora Flaviana Vieira aponta para alguns aspectos que o planejamento precisa considerar, como segurança e sensibilidade estética. “Na escolha dos materiais, buscamos cores e formas para ampliar o repertório de imagens e produções diversas. Também nos atentamos ao uso de materiais que podem não ser adequados para um uso coletivo, como, por exemplo, CDs que podem cair e quebrar facilmente nas mãos das crianças”, exemplifica. Outros dois aspectos que não podem ser deixados de lado nesse planejamento são a funcionalidade e a atenção para autonomia das crianças e adultos. “O espaço deve ser o mais funcional possível para colaborar na dinâmica do dia a dia, como a disposição dos móveis, materiais e brinquedos. Deixar que as crianças tenham livre acesso a materiais, sem a necessidade constante do controle do adulto, é importante para desenvolver a autonomia”, afirma a diretora.
Tema só vale para Educação Infantil?
Não. Pode ser usado em qualquer série, mesmo as mais avançadas. “Ao partir de uma postura investigativa, que respeita o caminho que o conhecimento e o grupo fizeram, essa pesquisa deve estar documentada e pode se tornar uma referência para os que habitam aquele espaço”, avalia Cisele. A sugestão é que a validade de cada produção seja avaliada e trocada constantemente para continuar tendo sentido para as crianças e não virar “paisagem”. (Laís Semis/ Nova Escola)