Com base em dados brasileiros, estudo feito pelo economista Ricardo Paes de Barros mostra o efeito do analfabetismo na saúde, na renda e no planejamento familiar do adulto
A alfabetização é a principal porta de acesso à educação formal. Não há discussão sobre isso. O que não se sabia até pouquíssimo tempo era o impacto da alfabetização no desenvolvimento geral da criança no decorrer da vida. Estudos internacionais começaram a trilhar esse caminho nesta década. Agora, um levantamento liderado por Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, usou os dados do Censo Educacional, do Censo Brasileiro e outras informações do Brasil para mostrar o impacto da não alfabetização na saúde, nos ganhos financeiros e no planejamento familiar de cada indivíduo e de sua família.
O estudo se concentrou no perfil de adulto, homem, de 35 anos. A equipe de Paes de Barros comparou as informações de adultos que tenham largado a escola depois de alfabetizados com aqueles que largaram a escola antes de concluir esse processo. Os resultados mostram que os indicadores são piores em todos os aspectos para o segundo grupo.
Com base nos dados levantados pelo estudo, os pesquisadores chegaram a um índice de qualidade de vida. Essa medição considera que quanto mais próximo de 100% melhor é a qualidade de vida do indivíduo. Para adultos que não tenham concluído a escola, mas sejam plenamente alfabetizados, esse índice chega a 77%. Já para aqueles que não aprenderam a ler, esse percentual cai para 43%. Ao desdobrar esses dados, vê-se que até mesmo a saúde é afetada pela não alfabetização.
Entre os alfabetizados, a probabilidade de ter uma boa saúde aos 35 anos é de 67%, enquanto entre os não letrados é de 56%. As chances de o primeiro grupo praticar esporte – o que contribuiria para a manutenção da boa saúde – é mais que o dobro em relação ao segundo grupo (45% entre aqueles que foram alfabetizados e 21% entre os que não foram).
Trabalho e rendimento financeiro são bem mais desvantajosos para os não letrados. Enquanto homens alfabetizados registram 71% de probabilidade de ter um emprego formal, para os analfabetos esse percentual cai para 45%. A renda familiar per capta do primeiro grupo fica em R$ 1.200,00 enquanto a do segundo em R$ 600,00.
As desvantagens trazidas pela não alfabetização alcançam os filhos desses indivíduos. Os números brasileiros evidenciam que a probabilidade de os filhos de pai analfabeto terminarem o ensino médio com até um ano somente de atraso é de apenas 38%, enquanto entre os alfabetizados é de 69%. As oportunidades de acesso à creche e à educação infantil – dois preditores importantes de desenvolvimento adequado na vida adulta – também é menor entre os analfabetos: fica em 54% e 74%, respectivamente, em comparação a 63% e 84% para os adultos que largaram a escola depois de ter aprendido a ler.
O analfabetismo é um problema que o Brasil ainda não aprendeu a resolver. De acordo com os últimos números oficiais, divulgados pelo governo em novembro de 2016, existem no Brasil 12,9 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler. Isso representa 8% dos brasileiros nessa faixa de idade. O Nordeste é a região que concentra o maior número de analfabetos, com 16,1%. O Sul e o Sudeste têm as menores taxas, com 4,1% e 4,3%, respectivamente. No Norte do país, 9% da população adulta não saber ler e no Centro-Oeste esse índice é de 5,7%. “A alfabetização é um meio imprescindível para a realização de todos os direitos humanos preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela convenção do Direito das Crianças, pela Constituição brasileira, por qualquer lei internacional ou nacional sobre direitos do ser humano”, diz Ricardo Paes de Barros. “Não é preciso refletir muito para constatar que esse tema deveria ser priorizado.” (Época)