Apesar das conquistas e avanços das políticas públicas, dados mostram que a população negra ainda sofre com a exclusão. Escola pode ser uma grande aliada no combate ao problema
No dicionário, racismo é definido como “um sistema que afirma a superioridade de um grupo racial relativamente aos outros, preconizando, em particular, o isolamento e até visando o extermínio de uma minoria”. Portanto, nem crianças, jovens, adultos e idosos estão imunes às diversas formas de preconceito e a escola é um dos possíveis lugares em que se pode criar barreiras para que essa pandemia, que ainda existe na sociedade, seja exterminada.
O último Censo Demográfico, realizado em 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que dos 191 milhões de brasileiros, 97 milhões declararam ser da raça negra (pardos e negros) e 91 milhões se declararam brancos. Mesmo assim, pertencer a maioria no Brasil parece não ser o suficiente para acabar com o preconceito que ainda é presente na sociedade e também na escola.
“O racismo persiste como demarcador para subalternizar e ainda para inferiorizar um grupo. É um demarcador que tem como finalidade impedir o acesso da população negra e indígena aos bens de cidadania, bens materiais e imateriais”, ressalta a coordenadora do Programa de Estudos e Extensão Afro-brasileiro (Proafro) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Janira Sodré.
Outro fator histórico ainda determinante para a existência do racismo é o fato de que o Brasil possui apenas 125 anos de república, contra 322 anos de período colonial (1500 – 1822), época em que o país era submetido e organizado para satisfazer as necessidades de Portugal. “A operação colonial é racista e escravista, ela ainda não foi inteiramente erradicada na sociedade, pois ainda persiste a mentalidade escravocrata”, afirma Janira.
A aplicação da Lei 10.639/03, que versa sobre o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, e ações afirmativas são exemplos claros de políticas criadas para corrigir os danos que o país promoveu no passado a um grupo de seres humanos que foram totalmente excluídos em um longo período da história brasileira. “Apenas na década de 50 os negros tiveram acesso à escola, principalmente pela falta de políticas públicas”, afirma José Eduardo da Silva, assessor especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Goiânia.
Pesquisa
A cada nova pesquisa ou estudo sobre o tema, os resultados já não surpreendem mais os que acompanham as diferenças étnicas e desigualdades raciais no país, pois a exclusão ainda é latente. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011 mostra que, entre as crianças auto-declaradas pretas, 43% delas já tiveram algum tipo de fracasso escolar. Entre as que se dizem brancas, essa taxa é de apenas 27%.
Trabalho de inclusão
Erika Santos, de 23 anos, formada em hotelaria pelo Instituto Federal de Goiás (IFG), é consciente da importância de respeitar as diferenças e enfrentar o preconceito dentro da sala de aula. Ela e um grupo de amigos ligados ao Movimento Negro desenvolveram, no ano de 2014, um projeto que tinha o objetivo de levar até as escolas municipais de algumas regiões metropolitanas de Goiânia o debate sobre o preconceito racial.
“A Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, divulgou um edital para financiar atividades alusivas ao Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro. Eu vi a oportunidade de desenvolver um projeto em escolas, pois elas ainda enfrentam dificuldade em abordar o assunto, mesmo com a existência da Lei n° 10.639/03”, explica a jovem.
Com o projeto “Fazendo a Cabeça: Juventude Negra Documentando seu Cotidiano”, Erika conta que visitou cinco escolas localizadas da região metropolitana. Promovido em parceria com o Programa de Estudos e Extensão Afro-brasileiro (Proafro), Instituto Goiano de Pré-história e Antropologia (IGPA) e o Coletivo de Estudantes Negros da PUC Goiás, o projeto atingiu mais de 100 alunos nas cidades de Senador Canedo, Aparecida de Goiânia, Silvânia, Professor Jamil e Bonfinópolis, que tiveram a oportunidade de participar de um documentário falando sobre o preconceito racial em seu cotidiano.
Em uma das escolas visitadas, um pai de aluno não gostou da forma que foi tratado o assunto proposto pelo projeto. Segundo Érika, o pai procurou os professores e a direção da escola para entregar uma carta afirmando que o projeto não deveria ser realizado. Erika estava na sala de aula quando foi chamada por uma professora para explicar ao homem o objetivo do projeto, mas não obteve êxito na tentativa de diálogo, pois o pai da aluna continuou a se mostrar intransigente.
Debater é importante
A dificuldade de se falar sobre a questão racial nas escolas não se restringe apenas ao projeto de Erika Santos. Por isso, o governo federal tornou a questão racial conteúdo obrigatório no currículo escolar desde 2003, após o decreto da Lei n° 10.639/03 incluir o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino básico das escolas públicas e particulares. “A lei, até o momento, teve grandes avanços, mas infelizmente o racismo institucional se reproduz na escola através do bullying e até mesmo pelo despreparo do professor e das políticas pedagógicas que ainda não são universais”, explica Janira Sodré, coordenadora do Proafro.
Segundo o IBGE, de 2000 a 2010, a proporção de alunos que frequentam a escola caiu de 56,6% para 42,8% entre os brancos; de 74,4% para 56,8% entre os pretos; e de 73,2% para 57,3% entre os pardos.
Os dados mostram que a diferença de escolaridade entre negros e brancos diminuiu, no entanto continua alta e os motivos são múltiplos, explica Ieda Leal, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Conselheira Estadual de Educação e secretária nacional do combate ao racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC). Segundo Ieda, “o principal problema é da sociedade que não aceita, por exemplo, que ainda existe o racismo e ainda questiona as políticas de cotas, o que termina refletindo no ambiente escolar e, por consequência, sutilmente o negro é expulso da escola”, critica.
Para o professor também é difícil falar no assunto, mesmo a Lei n° 10.639 existindo a mais de uma década, muitos docentes não estão preparados para falar sobre a História e Cultura Afro-brasileira e Africana na sala de aula. Na opinião do professor de Teologia da PUC Goiás, Uene Gomes, ativista do Movimento Negro em Goiás, a Lei é o início de uma discussão para que a sociedade consiga discutir o tema de forma ampla e com outros olhares. “À medida que se discute, a escola ajuda na formação de um cidadão ciente da importância de uma sociedade mais democrática, respeitando as diferenças e os direitos de todos”, disse.
Como combater o preconceito na escola?
Tania Mara Mariano, formada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), especialista em Educação Inclusiva pela Faculdade Montes Belos (FMB) e coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Francisco de Assis Lobo Sobrinho, em Adelândia (GO), revela que na prática muitas exigências são difíceis de serem aplicadas em sala de aula devido às políticas pedagógicas das escolas. Mas ela destaca que, mesmo com as dificuldades, é possível inserir informações éticas e históricas no conteúdo curricular normal, através de uma singela dinâmica, por exemplo.
Tania Mara sugere algumas atividades para combater o preconceito e a discriminação em sala de aula, com o objetivo de explicar aos alunos a importância de respeitar as diferenças.
Culinária
Pesquisar a história de alimentos de origem africana é uma maneira de valorizar a cultura dos afrodescendentes. O professor também pode sugerir para cada aluno levar uma iguaria para sala de aula e assim haver a degustação.
Filmes
A escolha de um bom filme pode gerar uma discussão em sala de aula, além disso, retratar a história dos negros é um bom método para a aprendizagem do aluno.
Rodas de conversa
Reunir os alunos em uma roda de conversa abre espaço para conhecê-los melhor. O professor pode escolher algum exemplo de discriminação em revistas, jornais, televisão, internet e livros para debater os conflitos gerados por preconceitos.
Música e Dança
A arte desenvolve o senso crítico e prepara os alunos para outras atividades. Conhecer músicas e danças de diferentes culturas é um bom caminho para estimular o respeito pelas diversas etnias. (Tribuna do Planalto)