Por causa da falta de uma política curricular clara no Brasil, a avaliação é quem está cobrando da escola os conteúdos que devem ser ensinados aos alunos. Esta é a opinião de Paula Louzano, doutora em política educacional pela Universidade Harvard (EUA) e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo).
Em entrevista ao UOL, Louzano discute como os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e da América Latina encaram a questão das políticas curriculares, com base em estudo realizado por ela no ano passado. No Brasil, a falta de diretrizes específicas têm gerado desigualdade no sistema.
A educadora será uma das convidadas da 21ª Educar/Educador, feira e congresso de educação, que acontece esta semana, dos dias 21 a 24 de maio, na cidade de São Paulo. Confira abaixo trechos da conversa.
UOL Educação – Quais são os maiores gargalos da educação brasileira?
Paula Louzano – Creio que um deles é a baixa qualidade, que passa pela experiência que o aluno tem na sala de aula. A gente precisa melhorá-la, principalmente para os estudantes mais vulneráveis, que estão nas escolas menos preparadas.
UOL – Como outros países do mundo resolveram o tema da política curricular?
Paula – Eu diria que existem três modelos de política curricular nos países que analiso. Alguns centralizam mais o que deve ser ensinado, num alto grau de detalhamento, como é o caso de Portugal. A metodologia fica a critério do professor, mas a autonomia é baixa. Outros dão mais autonomia, como a Finlândia e a Austrália, que têm um currículo mais geral, com alguns conteúdos que seriam fundamentais de serem trabalhados e algumas habilidades nos anos escolares. Já em Cuba há inclusive o número de horas que o professor vai trabalhar cada conteúdo, ou seja, a estratégia de ensino está estabelecida na política curricular.
UOL – Como é no Brasil?
Paula – O Brasil estabeleceu também que existe alguma coisa comum que todos os brasileiros têm direito a aprender. No caso é o que chamamos de Base Nacional Comum. O que difere é o grau de especificação, que é muito baixo quando comparado com outros países, mesmo com aqueles que atribuem grande autonomia às suas escolas, como Finlândia e Nova Zelândia. Ainda que alguns Estados e municípios tenham investido nesta especificação por meio de orientações curriculares, estas não se baseiam em um documento nacional claro. Além disso, a diferença na capacidade destes entes federados em produzir estas orientações tem gerado desigualdade no sistema. A falta de especificação e a baixa capacidade técnica de algumas redes e escolas em desenvolvê-la tem colocado o livro didático, e mais recentemente as avaliações externas, como responsáveis indiretas por essa decisão.
UOL – Os modelos de Portugal, da Finlândia ou de Cuba têm mais sentido no nosso contexto?
Paula – Eu diria que é o modelo mais parecido com a Finlândia, porque dá mais autonomia ao professor. Essa é uma característica do nosso sistema de educação, é como a gente enxerga o papel do docente no Brasil. Contudo, hoje não há uma política curricular clara no país, como existe na Finlândia, mas sim uma política de avaliação, que cobra um resultado do aluno. A avaliação está ocupando o lugar do currículo. Quando deixamos de discuti-lo entregamos para a avaliação o poder de definir o que as pessoas aprendem no Brasil.
UOL – Há movimentos que pedem a introdução de novas disciplinas obrigatórias na escola, como música. Como vê essa situação?
Paula – Em outros países essa decisão não está na mão do legislativo. Não é uma decisão política, partidária, é uma decisão da sociedade, e principalmente dos educadores e especialistas. Eu não tenho que ficar discutindo se tenho que colocar uma disciplina obrigatória. Tenho que discutir na sociedade brasileira o que é importante que todo mundo tem de aprender. Como vou organizar o sistema é outra questão. A organização do sistema não tem que estar na mão do Congresso Nacional, mas sim dos gestores públicos.
UOL – Como você analisa as más posições do Brasil em exames como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos)?
Paula – Não é uma surpresa. Elas refletem a baixa qualidade da educação. Mostram como a gente tem dificuldade de ensinar habilidades mais complexas, que não requerem apenas o conhecimento de um conceito, mas que pedem que você seja capaz de tomar uma decisão a partir da compreensão. Se você levar em conta a taxonomia de Bloom, essa é a habilidade cognitiva mais avançada. Isso a gente não consegue fazer.
UOL – Falta investimento na educação brasileira?
Paula – Dá para fazer mais com que a gente gasta hoje em educação? Sem dúvida. Dá para ter uma experiência de padrão internacional em cada sala de aula brasileira gastando o que a gente gasta hoje? Não. Dá para gastar melhor, e acho que tem vários exemplos que mostram isso no próprio Brasil, mas dentro de um limite que está dado pelas condições de gasto de nosso sistema, que é baixo, comparado com países da nossa própria região, como México e Chile, que gastam mais do que a gente por aluno. (Uol Educação)